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RECEITA de uma análise positiva

 Mas não sou eu que importo...

Dia 9 de Dezembro de 2020, o dia em que troquei as queimaduras do fogão por um teste positivo ao vírus SARS-COV 2.

Não podia ter acontecido, como? 

Questiono-me muitas vezes como falhei, Mas a resposta foi sempre a mesma; permissiva e a falta de consciência alheia. Fechei o meu estabelecimento, disse não a tantas reservas, chorei cada vez que negava aquilo que mais gostava de fazer, Cozinhar, chorei porque contagiei o meu marido e o meu filho (que responsabilidade, meu Deus), Chorei pq não tenho forças para estudar (que frustração) e ainda tenho que ser grata por estar viva...


Estou em casa fechada há 38 dias, doente, sem faturas e 2 "safts" (para quem entende, isto dói!), os sintomas foram imensos e graves, mas ainda tenho que mostrar gratidão por nada ser respiratório (até agora). 

O Covid19 bateu-me á porta sem perguntar se podia entrar. E andam por ai todos a passarinhar. Uns bebem vinho pelos botecos que restam abertos, outros fazem fogueiras e vão aos shoppings, é tão ridículo que em tempo de pandemia até se elege um Presidente. Devíamos ser capazes de identificar todos os que tiveram contacto com pessoas infetadas para que se garantisse o isolamento de todos.

Se me sinto mal? Sinto sim, este hóspede  arranjou-me para aqui um 31 qualquer, que só consigo identificar quando houver tempo para me estudar. Fui muito bem acompanhada pela médica de Família, pela pediatra do meu filho e o meu médico particular. (sempre atentos aos meus sinais)

Já não sei se fui eu que não deixei o Bicho em paz ou se foi ele que me testou a toda a hora. Os sintomas, as dores, o medo, o RESPEITO.

Mas não sou eu que importo...

Somos a História e não fazemos nada por ela, simplesmente deixamos morrer, pois é melhor o convívio social, somos a História (sabem o que isto significa?) Posso tentar-vos mudar a narrativa?

Nós temos Egrégios avós mas os nossos filhos nem os vão poder descobrir, ler ou estudar sobre eles. Vão ler atestados de óbito vergonhosos, porque vocês não fizeram nada para ficar em casa.

As dores são horríveis, flutuantes e agressivas, os zumbidos deixam-nos loucos, os ouvidos tapados num mundo balão, a desidratação é tanta que podes mesmo afogar em líquidos, a roupa da cama pesa no corpo, as articulações e os músculos em dor de uma só caibra. a pele arde de queimaduras invisíveis que nenhum creme hidratante te ajuda, a cabeça ferve e não tens febre, a glote inchada que nos sufoca, a cabeça rebenta ao som de um passarinho, a dor é tão forte que até os dentes ficam a abanar, bebes e comes porque te obrigas, as náuseas, a diarreia, a dor de barriga, a ausência de cheiro e paladar não te deixam em paz. (O que se passa comigo, meu Deus?)

Dormes e quando acordas, pensas que não morreste, os lábios mudam de cor para cereja escuro, e percebes que não tens ar, vais a janela respirar, o frio magoa-te quando inalas, cuidas e agasalhas para não teres uma pneumonia, hoje tosses, amanhã não te moves parece que foste atropelada por um camião. A pele das mãos, dos pés, dos órgãos genitais (esfíncter e uretra) e dos lábios caí, e tu não sabes porquê. Os dias vão passando e tu está ali, sem força, o cansaço é tão pesado que te sentes tuberculosa, a água do banho magoa-te tanto que nem te apetece voltar a tomar... Doí-te tudo, doí-te tudo dia após dia, vives agarrado ao aparelho de saturação de o2, medes a tensão 16/14... e estás doente pá, como é possível!? (é, porque tu não tens Covid, não é? Porque tu andas a passear sem sintomas, não é?)

Tudo isto acontece porque este vírus é um bruto, o nosso organismo não pára de lutar, não baixa a guarda, caso baixe quem ganha é a sepsies, ou síndromas que nos ficam para a vida. 90 dias é muito tempo e muito tempo é caro em vida e financeiramente. Vai para casa, faz a tua parte.

Mas não sou eu que importo...


Como te sentes? (perguntam eles cá em casa) - Bem. (porque sou a mãe)

Todos os dias acordas com mais um sintoma,  levantas-te para sentir a respiração do teu filho e marido, todos os dias te esqueces de ontem. Amanhã  as dores são outras! (Estes foram os meus sintomas, eramos 3 com sintomatologia diferente. Os meus foram mais agressivos.)

- E eles continuam lá fora como se nada fosse, mas eles não entendem. Não entendem o sacrifício de quem morre ou escolhe quem vai morrer. 

Por enquanto eu sobrevivi.


Tu aí, ainda podes ser TU.

...Fiquem isolados.


.


Comentários

  1. Força Maria, e que este teu sofrimento, ao menos, desperte os mais distraídos.
    Espero que recuperes o quanto antes.

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  2. Um bocadinho de dramatismo a mais...Eu também tive e nao é asdim...

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    Respostas
    1. Cá em casa tiverm 3 pessoas, todos eles diferentes. Ainda bem que acha dramatico. Ou que nao tenha morrido. O drama é o dos hospitais.

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  3. Força, Maria! Um abraço cheio de saudades!

    ResponderEliminar
  4. Querida Maria, agora caíram-me as lágrimas. Um xi-coração apertadinho para vocês :(

    ResponderEliminar

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