Desejo e perfume
Naquele primeiro dia da semana, Elas acordaram cedo. Andavam apressadas e tristes, batiam no peito e lamentavam, as filhas de Jerusalém. Choravam por elas e pelos seus filhos, a pedido de Jesus (Lucas: 23,28). Levavam perfumes com mãos pesadas, Elas estavam presentes na morte de Jesus (Lucas: 23,49) impotentes e persistentes até ao fim, viram de longe a morte e sua declaração de fim. Acompanharam o corpo sepultado na véspera do sábado, viram o túmulo e o corpo silenciado viram de longe a morte e sua pedra declarando o fim.
S. Lucas escreve e insiste em descobrir naquelas mulheres um motivo, um desejo, uma vontade de não deixar a morte dizer a última palavra (Lucas: 8). Elas prepararam perfumes com especiarias e unguentos para o corpo morto de Jesus (Lucas: 23,56). Guardaram o sábado, repousando! Nas mãos os cheiros, nos olhos a paisagem de morte e dor. O óleo perfumado era uma tradição, algo que era costume fazer com o corpo morto, como a última homenagem.
Fig 1 e 2 Lamentação sobre o Cristo Morto (pintor italiano Andrea Mantegna, in Pinterest.PT).
A pedra mostra-nos a expressão da vitória dos poderosos que, mais uma vez, perseguiram, torturaram e venceram a utopia dos pobres. E lá estava a pedra, plena de gravidade e de absolutos fins. Elas sabiam que teriam de enfrentar a pedra e sua arrogância. Era maior que Elas, era pesada e difícil para ser afastada, imagino.
Numa Tríade entre S.Lucas, S.Mateus e S.Marcos, compreende-se que a pedra foi afastada não por Elas, mas por algo bem mais profundo. S.Mateus vai registar um grande terremoto e associá-lo a um anjo do Senhor, que remove a pedra e se senta sobre ela enquanto conversa com as mulheres (Mateus: 28,1,2,3; Marcos: 16, 4 e 5).
Com a pedra removida o processo não está terminado. Elas terão que interpretar, procurar sinais, conclusões de leitura que ajudassem a entender o inesperado. As figuras de anjos vão ter este papel tal qual como na anunciação do nascimento de Jesus para Maria (Lucas: 1). Foi assim à luz do evangelho.
O inesperado exige das mulheres uma espiritualidade profunda de acreditar para além do possível. Olhos de ver o novo. Ouvidos de ouvir o que vem. A envolvência com todo o corpo, o perfume que traziam as mulheres deixavam as narinas atentas e sensíveis. A pedra removida e as aparições enchem os olhos das mulheres de enigmas, que elas interpretam como acontecimentos e entendem a sequência, assim como a gestão dos conflitos e resiliência que nós hoje sabemos administrar. É madrugada e nós mulheres ao redor do mundo continuamos a acordar cedo, preparando perfumes.
Unindo num alguidar de barro, [já bem usado era este que os meus olhos viram, pena não ter fotos, pois fiquei sem bateria nesta pequena viagem que fiz para entrega de take aways] (farinha, açúcar, fermento e a canela). Trabalhando sempre com as mãos misturei muito bem, o cheiro a canela fazia-se notar no branco imaculado como se de pequenos pedaços de dor se acalmassem. Formei nesta mistura um vulcãozinho. Juntei-lhes os ovos, o sumo da laranja de Idanha (tão docinhas que roubei no quintal dos meus vizinhos...), o azeite e a água ardente. Amassei com a alma a pensar na festa que vamos celebrar, senti que a massa se fundiu numa só quando não colava as minhas mãos, era hora de a deixar repousar... Os mais antigos usavam o alguidar dentro de outros com água a ferver e embrulhavam um pano (linho os mais ricos) e duas mantas para abafar e levedar. Deixei por 12 horas, mas antes de me deitar tirei o alguidar da água, senti que não era preciso, afinal estava um calorzinho de primavera, ontem. Finta a minha massa, dividi-os, fiz 3 folares e com a ponta de uma faca molhada fiz um corte na massa. Coloquei-os no forno a 200ºc. Brunindo-os com açúcar batido com clara e um pinguinho de azeite a meia da cozedora. Baixei um pouco a temperatura e foram cozer novamente. Tornaram-se lustrosos os meus folares.
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