Querida Manuela
Espero-a bem, assim como o seu gatinho.
Não tenho sido consistente a escrever-lhe pois no trabalho tenho andado muito absorvida, e com outras coisinhas importantes.
Hoje, lembrei-me de si. Sabe que em tempos passados numa pobre e humilde casa de província existia uma mulher, como todas as outras mas esta tinha um triste olhar. Olhava para uma panela vazia. O olhar ajustava-se entre a tristeza e a doçura quando ouvia os soluços de fome dos seus 6 filhos e suspiro de seu marido. Nada tinham que comer, pois nada havia para cozinhar.
A tristeza não impedia que esta mulher fosse despachada e criativa. Em voz altiva mandou os pequenos para a rua num último rasgo de sol e pediu que cada um lhe trouxesse uma coisa do caminho até à estrada, e ao marido a pequena cabaça que trazia pendurada para secar e colocar o vinho.
Os meninos apressaram-se. O mais novo pediu à vizinha uma pinguinha de azeite, outro duas batatas preparadas para a sementeira, o mais velho na casa ao lado pediu uma cebola que vinha com duas cabeças de alho, generosa a filha da vizinha embeiçada pelo petiz. Os outros umas ramas de cenoura que as galinhas não lhe chegaram, uma courgette e um resto de côdea de pão que o porco se esquecera de jantar. O mais astuto, o do meio foi a última choça (casa de pastor) perto da beira da estrada, onde encontrou uma cordinha com um coutinho de chouriço agarrado(talvez guardado para merenda do pastor) e um corte de queijo ressequido que o fazia salivar de tão forte cheiro.
E foi assim que daquela panela vazia saiam cânticos e cheiros de bradar.
A gordura do chouriço fazia saltar a batata em pequenos quadradinhos, a courgette cortada a preceito, finamente apurava o que seria o belo caldo alaranjado do recheio da abóbora. A rama da cenoura migada soltava o mágico aroma da terra. Conseguia ouvir-se estalar as gotas de água que acrescentava ao caldo para a sopa fervida, no final as gotas de azeite alegravam o caldo que se deixava entornar nos migados pedaços de côdea que amolecia como os dias de amor.
E assim aquela noite se cobriu de harmonia e em família se ouvia a gargalhada da pequenada nos ouvidos daqueles pais em desespero.
O caldo da merenda passou a ser chamada aquela sopa da panela vazia cozinhada ao lume de quem nada tinha.
E aqui fica mais um conto para o nosso caderno de receitas.
Divirtam-se ♡
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